
Da comunidade quilombola do Curaú, no Amapá, à glória nos gramados da Europa: a trajetória de Igor Paixão é exemplo de superação, talento e identidade. Ele transformou sonhos antigos em metas conquistadas e agora vive momentos de afirmação na Liga dos Campeões.
Quilombo é o nome dado, no Brasil, às comunidades formadas originalmente por pessoas negras que fugiam da escravidão durante o período colonial e imperial (entre os séculos XVI e XIX).
Os quilombolas, como eram conhecidos os moradores dessas comunidades, não apenas buscavam escapar das condições opressoras da escravidão, mas também criavam uma nova forma de vida, onde podiam preservar suas tradições culturais, compartilhar recursos e viver em liberdade. O legado dos quilombos é uma parte importante da história brasileira, simbolizando resistência, luta por direitos e a busca por identidade no contexto de um país marcado pela desigualdade social.
Além disso, a cultura quilombola teve uma influência significativa na formação da identidade nacional, contribuindo com danças, músicas, culinária e práticas espirituais que continuam a ser celebradas e reconhecidas até os dias de hoje.
Esses grupos se reuniam em locais afastados, geralmente em regiões de mata, serras ou áreas de difícil acesso, e criavam comunidades autônomas, onde podiam viver livres, cultivar alimentos, praticar suas religiões, preservar línguas africanas e reconstruir uma vida longe do domínio dos senhores de engenho.
O termo “quilombo” vem da palavra “kilombo”, de origem banto (língua falada em partes da África Central), que significa “acampamento” ou “sociedade guerreira.
Atualmente, quilombo também se refere às comunidades remanescentes desses grupos ou seja, descendentes diretos das pessoas que viveram nesses territórios.Essas comunidades mantêm tradições culturais, espirituais e modos de vida próprios, muitas vezes ligados à agricultura familiar, à preservação ambiental e à solidariedade comunitária.
“Quilombo é sinônimo de resistência, liberdade e identidade afro-brasileira — espaços criados para viver longe da escravidão e, hoje, símbolos da continuidade da cultura e da história negra no Brasil.“
Foi em uma dessas localidades que em 28 de junho de 2000 nasceu Igor Guilherme Barbosa da Paixão, com 1.800 habitantes, chamado Quilombo do Curaú, a cerca de 8 km de Macapá, Amapá. Essa origem, marcada por simplicidade, resistência e identidade quilombola, permanece presente em sua história: ele não esquece de onde veio.
Desde criança, Igor mostrou aptidão para o futebol. Começou em escolinhas locais como a Zico10 e no campo do Careca, antes de ir em busca de oportunidades. Testes em clubes grandes pelo Brasil abriram caminhos, até que em 2013 o Coritiba o aprovou.
A jornada brasileira até a Europa
No Coritiba, Igor fez sua base. Passou por um empréstimo ao Londrina, teve destaque no acesso à Série B e, de volta ao Coxa, firmou-se como peça importante. No estadual, foi protagonista, marcando gols decisivos e comemorando títulos, sempre mencionando sua vivência quilombola como parte de sua motivação.
O salto para o futebol europeu veio com a transferência para o Feyenoord, da Holanda. Lá, enfrentou desafios de adaptação ritmo de jogo, intensidade física e circunstâncias culturais, mas usou seu talento, velocidade e faro de gol para se destacar.

A consagração na Champions League
Igor Paixão teve sua primeira experiência na Champions League ainda vestindo a camisa do Feyenoord. Com desempenho sólido, contribuiu com gols e assistências na competição, mostrando que estava pronto para os palcos maiores do futebol mundial.
Recentemente, sua carreira ganhou novo impulso ao se transferir para o Olympique de Marselha. A quantia do negócio era alta, e as expectativas, proporcionalmente maiores. Não demorou para que ele começasse a corresponder. Na segunda rodada da Champions pelo Marselha, brilhou ao marcar dois gols contra o Ajax, em goleada de 4 a 0, além de participar com uma assistência. Foi uma noite para reafirmar seu potencial nos grandes jogos.

Identidade e enfrentamento
Além do talento com a bola nos pés, Igor Paixão também se mostra forte diante de desafios pessoais e sociais. Em 2023, reagiu com indignação a um artigo do jornal espanhol “AS” que o tratou como “descendente de escravos”, termo que ele considerou racista. Igor usou suas redes para denunciar o teor discriminatório, afirmando que tal linguagem reforça estereótipos, e que é necessário reconhecer a história, sem usar rótulos depreciativos.
Essa postura revela algo além do atleta: representa alguém consciente de suas origens, que carrega sua comunidade quilombola na identidade, e que entende que sua visibilidade pode servir para dar voz a quem muitas vezes é invisível.

O que o futuro promete
Aos 25 anos, Igor Paixão está em uma encruzilhada de possibilidades. As boas atuações pela Champions e o papel de protagonista no Marselha chamam atenção.
Igor Paixão é um nome que simboliza muito mais do que apenas gols. Ele é a soma de um passado marcado pela ancestralidade quilombola, da persistência num esporte competitivo, da coragem de se expor e resistir, e da ambição de estar no topo. A Champions League não é mais um sonho distante, virou palco de afirmação. E sua caminhada, do Quilombo ao mundo, inspira.






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