Há uma estranha paz no discurso de Pedro Proença. Uma serenidade quase olímpica perante os buracos por onde o futebol feminino português se esvai. No espaço de um mês é a segunda entrevista que dá onde novamente as suas palavras chegam a deixar quem as lê revoltados e com vergonha.

Foto: maisfutebol

Na recente entrevista ao Expresso, o presidente da FPF mostra-se “muitíssimo satisfeito” com a participação no Europeu 2025 e com o que Francisco Neto têm feito ao longo destes anos, figura com quem quer renovar e manter a liderar a seleção no próximo Europeu (em 2029).

“Estamos muitíssimo satisfeitos com o trabalho que ele tem feito à frente da nossa seleção feminina, e, quando assim é, contamos com ele para que daqui a quatro anos possa estar no novo no Campeonato da Europa”

E pronto, parece que basta isso, a satisfação. O problema é que a satisfação pode ser o maior inimigo da ambição.

Salários em atraso. Na primeira liga. E o presidente da Federação diz que são “dores de crescimento”. Como se fosse natural, aceitável, pedagógico até. Não é. É vergonhoso. Não se cresce nem se constrói uma liga profissional assim.Isto não é um tropeço no caminho é um buraco onde se empurra o feminino sempre que incomoda. E o pior? Fazem de conta que é normal. Pelo meio disto, ouvem-se palavras bonitas: licenciamento, profissionalismo, evolução. Tudo certo…no discurso. Porque na prática, continua a ser fácil pedir esforço a quem pouco recebe em troca. Se isto é crescer, alguém se esqueceu de avisar que também era preciso cuidar.

Fala-se ainda da base da pirâmide. Que faltam campeonatos distritais. Que as equipas são poucas. Mas isso já sabíamos. O que se espera de quem lidera é ação, não constatação. Proença anuncia o programa Superquinas, como quem lança uma moeda a um poço e pede um desejo. Mas o tempo dos slogans já passou ou devia ter passado.

E então vem a questão das mulheres treinadoras. São poucas, pouquíssimas. E a resposta? “O mérito não tem género.” Ah, a velha máxima da igualdade meramente teórica. Sim, o mérito não tem género, mas os obstáculos, esses, têm todos nome e endereço. Se as mulheres não chegam lá, é porque não lhes é dado o mesmo chão onde possam correr.

Proença vê o cume. Mas ignora as pedras nos sapatos de quem sobe. Não chega dizer que estamos melhor. Precisamos saber para onde queremos ir. Porque enquanto a Federação vive de discursos embalados, o futebol feminino continua a tentar sobreviver num país que o aplaude aos domingos e o esquece à segunda.

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