No futebol, como na vida, há dias em que se é espectador da própria queda. E esta foi uma dessas tardes.

A seleção portuguesa entrou em campo, mas deixou a alma no balneário. Em menos de um minuto, a Espanha já escrevia o primeiro verso do que viria a ser um autêntico manifesto de domínio e qualidade.

Um cruzamento milimétrico de Olga Carmona encontrou a mestria de Esther González, que com um controlo de ombro tão elegante quanto eficaz, bateu Inês Pereira sem piedade. Ainda o público se sentava, e já Portugal perdia por 1-0.Mas a Espanha, sedenta de glória e embalada por um futebol vertical e veloz, não tirou o pé do acelerador.

Aos sete minutos, Mariona abre a pista pela lateral, cruza rasteiro, e Vicky López com o à-vontade de quem sabe que vai marcar só teve de encostar. Dois a zero, e a sensação de que estava tudo a correr demasiado depressa para a nossa seleção.

O que se via em campo era gritante: um coletivo espanhol com ritmo, ideias, entrosamento e fome; e do outro lado, uma equipa portuguesa apática, presa, desencontrada, sem qualquer capacidade de reação.

A pressão alta das espanholas esmagava uma seleção nacional incapaz de sair com bola jogável do seu meio-campo. O meio-campo? Um deserto. A construção? Um pesadelo.

E como se o jogo já não estivesse a fugir para o desastre, Francisco Neto teimava em ser cúmplice da tragédia. A decisão de colocar Fátima Pinto a central fora da sua posição natural é, no mínimo, incompreensível. Uma escolha que não só expõe a jogadora, como enfraquece a equipa.

Chegámos ao minuto 41, e o génio de Alexia Putellas resolveu brindar os presentes com um momento de antologia. Mariona rasga o campo com um passe em profundidade digno de estudo, Alexia domina de peito, com a suavidade de quem domestica o tempo, senta Diana Gomes com uma finta curta e finaliza com a classe que a coroa como uma das melhores do mundo. Três a zero.

No minuto seguinte, como se a humilhação fosse coreografada, Pina cruza tenso da linha de fundo, a bola bate no poste e, no ressalto, Esther González marca o seu segundo. Quatro a zero. E na área? Quatro jogadoras portuguesas a assistir de perto, sem ação.

Um retrato doloroso da desorganização defensiva.Portugal, irreconhecível, era uma sombra do que promete ser. Nenhum remate digno de registo. Nenhuma jogada de perigo. Uma primeira parte que entra diretamente para os arquivos do que não se deve repetir.

Na segunda parte, esperava-se uma reação, nem que fosse de orgulho. E de certo modo, a entrada de Ana Borges com a garra que sempre traz e Ana Seiça trouxe algum equilíbrio. Portugal deixou de estar sufocado, ainda que a Espanha continuasse a mandar no jogo com classe e critério.

Mas o marcador voltou a mexer, cruzamento de para a grande área, e Cristina Martin Pietro de cabeça fixa a goleada em 5-0

No final, a realidade ficou escancarada: há um fosso entre estas duas seleções.

Um fosso tático, físico, técnico e, acima de tudo, mental. Portugal não teve argumentos, nem soluções, nem alma. E quando se perde tudo isso, resta apenas resistir ou refletir.

Esta goleada deve doer. E deve doer muito. Mas mais importante: deve servir de aviso.

O futebol feminino português tem talento, tem futuro, mas precisa de coragem nas escolhas, de planeamento estratégico e de um rumo. Porque quando o apito inicial soa e a bola começa a rolar, já é tarde demais para improvisos.

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