Chegou do Brasil em plena pandemia, sem certezas, mas com um sonho na bagagem. Anos depois, Janaina Weimer tornou-se peça-chave do SCU Torreense, foi uma das melhores marcadoras da Liga BPI e entrou para a história ao marcar o golo que relançou a final da Taça de Portugal frente ao Benfica. Nesta entrevista intimista, a avançada revela as dificuldades que enfrentou, a emoção da vitória, o papel decisivo de Gonçalo Nunes e a forma como Portugal se tornou casa e prioridade no seu coração.

Nasceu em Arabutã, Santa Catarina, a 11 de outubro de 1999 e foi no quintal da sua casa que começou a tomar o gosto por futebol enquanto via o irmão a jogar com os amigos.

O futsal foi a sua primeira paixão, mas cedo o futebol de 11 lhe piscou o olho. Janaina Weimer começou a sua caminhada no Brasil, entre os relvados do Criciúma e os livros de Direito. No entanto, a vida nem sempre segue o plano que desenhamos e, em 2020, no meio da incerteza de uma pandemia mundial, agarrou uma oportunidade que viria a mudar-lhe o destino após ter participado no mundial universitário de 2019 na Itália

Portugal tornava-se o novo palco da sua vida. Um país distante, uma cultura diferente, mas um sonho comum: viver do futebol. Sem hesitações, aceitou o desafio do recém-criado Racing Power, no Seixal. Na bagagem trazia muito mais do que chuteiras: trazia resiliência, coragem, talento… e uma fome imensa de vencer.

Com o passar dos anos, foi-se adaptando, evoluindo e conquistando o seu espaço. E quando trocou o sul de Lisboa por Torres Vedras, o salto foi ainda maior. De suplente de luxo, tornou-se peça indispensável. Sempre que entrava em campo, algo acontecia. Tinha magia nos pés e frieza nos momentos decisivos.

Na época que agora termina, Janaina brilhou intensamente. Com 14 golos, foi a melhor marcadora do SCU Torreense e a quarta melhor da Liga BPI. Mas mais do que números, foi presença decisiva nos momentos em que o coração precisava de bater mais forte.

O seu golo no Jamor, frente ao todo-poderoso Benfica, mudou tudo. Travou o domínio encarnado, acendeu a esperança e lançou a equipa para uma das reviravoltas mais marcantes dos últimos anos no futebol feminino português. O Torreense sagrou-se campeão da Taça de Portugal e Janaina foi a heroína silenciosa que gritou bem alto com os pés.

De Arabutã para o topo do futebol português. Sem esquecer de onde veio, mas com os olhos postos em tudo o que ainda está por conquistar.

Como te estas a sentir com a vitoria na Taça de Portugal, quais os rescaldos passados uma semana?

Como estou me sentindo? É um sonho ne, muita felicidade, parece que a ficha ainda não caiu, sem acreditar que a gente ganhou, é uma coisa recente, só de lembrar arrepia, é fantástico, uma felicidade enorme.

Quando marcas o golo nos segundos finais onde a taça já era praticamente do Benfica, onde percebes que a bola entra e ainda há esperança e podem lutar, qual os sentimentos que se vive?

Na hora que a bola entrou pensei vai ser nosso! Deu um gás a mais para toda a equipe, foi um claro momento de euforia, aquilo deu-nos mais energia, deu-nos a esperança e a confiança que faltava eu acho para terminar aquele final de jogo.

Depois do golo, no curto intervalo antes do prolongamento o que vos disse o Mister Gonçalo Nunes?

Que ninguém está cansada aqui (risos), ele nos incentivou bastante, corrigiu pequenos detalhes e teve um discurso mais motivacional para que a gente pudesse aguentar até ao fim e ir para cima, arriscar mais, ser mais confiante, porque o golo nos segundos finais nos deu uma esperança, acho que foi mais isso, um discurso motivacional para que lutássemos até ao fim com muita garra e tentar conseguir ganhar o jogo

Sentes que ele foi uma peça chave para aquilo que vocês contruíram esta época?

Sim, com certeza, não só ele, como o resto da equipe técnica, foi fundamental para nós, para o clube, a nível de estratégia, de comando fora do campo e claramente ele teve um resultado notório.

Depois da brilhante época que realizaram, ficou um sabor amargo o facto de terem ficado a muito pouco da qualificação para a Liga dos Campões?

Sim, sim, ficou, ficou amargo porque foi por um ponto, e por um ponto podíamos estar em outros patamares, ficou aquele arrependimento de não termos ganho certos jogos, ou de não termos empatado certos jogos.

Numa balança, conseguiram uma boa época, conseguiram até mais do que tinham delineado como objetivos principais para a temporada?

Sim, foi uma excelente época, com a cereja no topo do bolo como diz a Correia, para fechar bem a época foi maravilhoso, porque atingimos muito mais do que aquilo que eram os nossos objetivos enquanto equipa e fizemos uma época sensacional, não só a nível coletivo como também as atletas individualmente, todo o mundo cresceu.

Puxando um pouco atrás, quando chegaste ao Torrense as coisas não estavam a funcionar bem, o arranque custou, mas foste lutando pela titularidade. Este ano a nível individual foste uma das melhores marcadoras do campeonato e foste distinguida por duas vezes consecutivas como melhor jogadora do mês na Liga BPI. Olhando para isso, há uma satisfação nesta caminhada? Como é que se avalia e olha para esse crescimento e para essas distinções?

Voltando para o início da época, eu não imaginava fazer uma época destas, eu fico extremamente contente pelos resultados individuais porque eu comecei no banco e eu tive que evoluir, tive de crescer para poder conquistar o meu espaço, e consequentemente os resultados foram chegando conforme o trabalho, trabalhando muito, me dedicando, eu acho que foi a melhor época da minha carreira até agora consagrada com este titulo, e por muito que não tenha feito tantos golos comparando a outras temporadas para mim foi uma época fantástica.

Olhando para esta época achas que foste o carrapato do Benfica? Primeiro marcas o golo do empate a uma bola em Torres Vedras que tira ao Benfica os primeiros pontos no campeonato, depois marcas o golo do empate que consequentemente as faz perder a Taça

Eu acho que sim, acredito que sim, nunca tinha pensado por esse lado mas acho que sim, por ter marcado e ter dificultado a vida delas.

Para chegares a esta época, temos de recuar ao passado, o teu sonho era jogar futebol? Quando eras pequena já almejavas isso, ou foi uma coisa que veio com o tempo?

Não, veio com o tempo, não era uma primeira opção, até porque de onde eu venho as meninas no ramo do futebol não têm tantas oportunidades, então não conseguia ver o futuro, mas conforme as oportunidades foram aparecendo foi criando um significado e uma paixão que eu levei em conta que queria ser jogadora.

Quando começas a dar os primeiros passos, tu começas no futsal, havia referencias? Ou as referências foram aparecendo com o tempo?

As referências elas foram aparecendo, porque eu nunca fui de idolatrar uma jogadora ou de ter referência apenas de uma jogadora, elas foram aparecendo ao longo dos anos, inclusive hoje não tenho nenhuma referencia apenas gosto de admirar certas jogadoras.

A tua família apoiou quando chegaste ao pé deles e disseste que querias ser jogadora e que ias para Portugal?

Não, não, não, nem sempre foi fácil, porque não é uma carreira que uma mulher consegue consolidar facilmente, teve uma certa insegurança na questão da família por eu ir para Portugal, no meio do covid, e eu fui logo para uma equipa nova, o Racing Power, imagina um time novo que ninguém conhecia nada, era estranho, então conforme os anos foram passando eles começaram a ver e passaram a apoiar, e hoje me apoiam totalmente.

Quando chegaste a Portugal, ao Racing Power, um clube novo, nos primeiros jogos que fizeste achaste que já ia dar para viver do futebol e começar a construir uma carreira solida que te permitisse viver apenas disso?

Quando fui para Portugal tive o meu contrato profissional certo. Mas não foi desse jeito que eu vi, até porque não recebíamos tanto, não eramos tão valorizadas, então eu não conseguir ver se conseguia seguir, eu trabalhava, tinha de repartir o meu tempo em trabalhar e poder treinar e jogar porque não recebíamos tanto, então era mais para completar o ordenado, isso fazia com que eu não conseguisse ver se eu me tornaria uma jogadora só de futebol. Mas consequentemente a equipe ganhou e as coisas foram melhorando na segunda época, e aí sim o contrato já exigia que a gente não fizesse nenhuma atividade extraprofissional, então só depois disso é que deu a garantia que eu pudesse viver só do futebol. A partir do meu segundo ano as coisas mudaram em Portugal e hoje eu vejo que consigo ser atleta e consigo viver disso.

Qual foi o momento mais difícil que viveste no futebol até agora?

Vários, preconceito, preconceito sempre teve, em Portugal acho que mais pelo facto da xenofobia, de ser estrangeira eles viam como se eu fosse roubar o espaço ou o lugar de uma portuguesa, então sempre teve um preconceito. A estrutura de alguns clubes, que prejudica as vezes as atletas e tornam as coisas mais difíceis, o ordenado e a não valorizam das atletas.

Ao viver como atleta onde qual é o patamar que desejas alcançar?

Acho que é uma pregunta fácil, porque todo mundo quer jogar as melhores ligas, com as melhores jogadoras e claro estar na elite.

Em que ligas gostavas de jogar?

Em Espanha, na Inglaterra, tem a França, Alemanha também é uma curiosidade, EUA também.

És brasileira, mas estas em Portugal há vários anos, se o Francisco Neto te chamasse, como aconteceu agora com a Samara que é tua colega de equipa, tu ias? Ou seja, Portugal seria uma primeira preferência ou optarias pela seleção brasileira em caso de uma convocatória?

Portugal, com certeza, porque foi Portugal que abriu as portas para a minha carreira profissional, e no Brasil eu nunca tive oportunidade.

E uma possível ida para o campeonato brasileiro, se um clube brasileiro te chamasse, ias?

Não

Recuando atras na conversa e pegando no preconceito, tens medo que se um dia chegares á seleção nacional esse preconceito volte?

Me sinto segura em saber que no masculino temos bons exemplos, temos o Pepe, temos o Octávio, temos o Matheus Nunes, temos bons exemplos, as coisas correram bem a nível pessoal e profissional com eles então acredito que não seja diferente com nos mulheres.

Olhando para a Liga BPI, a partir da próxima época será reduzida e passará a ter menos duas equipas, sentes que a liga poderá vir a ser mais competitiva e equilibrada face á discrepância que têm existido nos últimos anos?

Sim, acho que é uma coisa boa para as equipes, para a liga, para as jogadoras, torna sim a liga mais competitiva, muito mais disputada, eu acho que em termos de equipes, vai ter poucas jogadoras, vai ter mais visibilidade para as jogadoras porque como são menos equipas todo mundo vai conseguir acompanhar melhor e certamente, não sei se é por ser um país pequeno, acho que poderá trazer sim mais visibilidade, a nível europeu a disputa pela vaga na Champions, a “Liga Europa”. A liga torna-se mais competitiva não só por isso mas também podemos comparar agora esta ultima temporada que muitas equipes fizeram bons jogos, nem todo o mundo teve resultados elásticos, mas foi parcial algumas equipas, e eu acho que a próxima época vai ter muitas novidades e boas equipas

A nível do Torrense já tens planos e metas definidos ou agora é aproveitar as merecidas ferias após a vitoria?

Não, eu acho que é fundamental mentalizar já o futuro e os objetivos da próxima época e claramente eu já tenho definido os objetivos que eu quero para a próxima temporada

Arrependeste de ter vindo para Portugal?

Não, jamais, jamais, até gostaria de ter vindo antes. Gosto de Portugal não só como pais, mas também como uma casa, me sinto em casa em Portugal. Sempre bem acolhida.

Se pudesses dizer alguma coisa a Janaina do passado, aquela pequena criança que começou a jogar futsal e que começou a sonhar em viver com uma bola nos pés, o que dirias?

Que não desse opinião para os outros e que continuasse a lutar pelos sonhos que é possível chegar longe com o nada, é possível você vir do nada e ser reconhecida, e conseguir jogar em um clube profissional e ser jogadora.

Dizias que quando vieste foi complicado, sobretudo por vir para uma equipa que se estava a acabar de formar, saíste do teu país, vieste para longe da tua família, arriscaste tudo sem olhar para trás, no dia de hoje, passado estes anos, como é que eles agora olham para ti?

É isso que você falou, arriscar tudo, acho que foi mesmo um arriscar tudo, porque como eu falei no começo foi difícil eles não conseguiam enxergar uma carreira porque era difícil com o que eu tinha naquele ano em que fui, hoje graças a Deus eles me apoiam muito, estão super contentes com a minha trajetória, a onde eu estou agora, eles também desejam que eu esteja em seleções, em grandes competições.

Como é que defines o futebol na tua vida?

O futebol é uma paixão, nem sempre foi, foi se criando um relacionamento com o futebol, mas hoje é uma paixão-

Janaina é o exemplo vivo de que a coragem de arriscar, mesmo quando tudo parece incerto, pode transformar sonhos em conquistas. Veio do outro lado do Atlântico, enfrentou obstáculos, desafiou preconceitos e escreveu o seu nome na história do futebol feminino em Portugal. Hoje, com os pés firmes no presente e os olhos postos no futuro, continua a lutar não apenas por golos, mas por tudo aquilo em que acredita.

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